segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Direito à memória da luta no Sertão contra a ditadura: Lamarca e Zequinha Barreto



Por Eduardo Sá

O centro de Brotas ficou movimentado durante o evento. Na Cooperativa Agro-Mineral Sem Fronteiras (CASEF) ocorreu a 1ª Assembléia Geral do Instituto Zequinha Barreto. Quando a noite chegava, muita poesia e música da região, além de clássicos como Aquarela do Brasil. O cinema também marcou presença com a exibição de filmes como Porta de Fogo, do cineasta Edgard Navarro, sobre a morte dos guerrilheiros. Houve também uma atividade em Pintada, vilarejo em Ipupiara, onde Lamarca e Zequinha Barreto foram assassinados durante uma operação comandada, na ocasião, pelo major Nilton Cerqueira, do DOI-CODI. A comunidade Buriti Cristalino, local invadido na época pelas tropas de Sérgio Paranhos Fleury, do DOPS de São Paulo, também recebeu a visita dos participantes. Lá ocorreu um massacre em 28 de agosto de 1971, uma das etapas da Operação Pajussara, que resultou na morte e tortura dos familiares de Zequinha Barreto. Foi inaugurado o Centro de Memória Prof. Roberto, na casa de Luis Antônio Santa Bárbara. Este militante virou educador em Buriti e se matou no meio do massacre. A antiga casa de José Carlos Barreto, cruelmente torturado e preso por ser pai de Zequinha e não delatar o filho às forças policiais, agora abriga o Cine Clube Lamarca. O prefeito Litercílio Júnior (PT) deu boas vindas às diversas autoridades numa manhã ensolarada em Brotas de Macaúbas, dia 19 de setembro. A feira tinha acabado de ser recolhida na praça, quase todos os moradores da cidade estavam presentes quando ministros, parlamentares e líderes da região chegaram ao local. Jovens estenderam uma faixa em defesa do pré-sal em frente ao palanque. Estava um sol de rachar, ao meio dia.

O palco ficou cheio de autoridades, cerca de quinze. Entre elas o ex-ministro e ex-governador da Bahia, Waldir Pires; Franklin Martins, ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência da República; Nilmário Miranda, presidente da Fundação Perseu Abramo, representando o ministro dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi; os secretários de estado Nelson Pellegrino (justiça, cidadania e direitos humanos), Walter Pinheiro (planejamento), Afonso Bandeira (desenvolvimento urbano); alguns deputados
federais, estaduais e prefeitos, vereadores e líderes das cidades no entorno.

Litercílio destacou: “Talvez esse seja um dos atos mais importantes do município”. Para ele, as pessoas que foram tratadas como terroristas morreram em busca da igualdade e justiça desse povo. Por isso, foi decretado um projeto de lei que confere ao dia da morte dos guerrilheiros um feriado municipal.

“Por aqueles que lutaram por uma sociedade mais justa. Brotas tem uma dívida tanto com a sociedade quanto aos nossos companheiros”, complementou o prefeito. Afirmou também que agora as pessoas vão ter um novo tempo, no qual poderão expor sua liberdade política e participar na construção do município que desejam.

Roque Aparecido, um dos produtores do evento, lembrou da importante participação da igreja católica com as comunidades eclesiais de base ao celebrar os mártires. Também nesse sentido, Yulo Oiticica, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa da Bahia, afirmou que Lamarca e os guerrilheiros “não são os demônios que eles querem pregar e sim os santos que eles querem negar: eles não trazem a verdade absoluta, mas o discernimento, a consciência crítica.”

Olderico Barreto, irmão de Zequinha e sobrevivente do massacre em Buriti, retomando os elogios à igreja reverenciou o Bispo Dom Luiz Cappio, que fez greve de fome pela não transposição do Rio São Francisco. Recentemente, Cappio ganhou um prêmio a Alemanha e está em busca de fazer um santuário no local da morte de Lamarca e Zequinha.

O jornalista que escreveu a biografia de Lamarca, Emiliano José, hoje deputado federal, ressaltou que talvez a maior crueldade feita pelos militares tenha sido pendurar o pai de Zequinha, José Barreto, de cabeça para baixo e torturá-lo em busca de informações. “Desse homem e sua família, que tem valores extraordinários, não podemos nos esquecer nunca”, declarou. Por isso, Emiliano defende que os assassinos também devem ser lembrados para que sejam julgados e condenados.

A luta por anistia e reparação a essas famílias também foi lembrada por outros presentes. Dadá Ferro do Vale da Revolução, agente cultural da prefeitura de Brotas de Macaúbas, foi enfático nessa questão:
“Que anistia é essa que garante a impunidade para o esquadrão da morte? Quem é que vai resgatar o trauma coletivo? Quem vai nos restituir a glória? E o trauma da dona de casa, do humilde trabalhador rural, dos jovens abalados pela brutalidade da repressão? Queremos cultura! Queremos resgatar as décadas perdidas!”, discursou.

Pessoas locais dizem que na operação Pajussara, a população de Buriti Cristalino foi retirada de suas casas com socos, pontapés e coronhadas de revólveres, fuzis e metralhadoras. Todos, inclusive crianças, foram conduzidos para a praça central do pequeno povoado e obrigados a assistir calados a um filme de terror. Animais foram mortos a tiros.

“Vocês estão assistindo uma celebração de natureza enorme por aqueles que lutaram por uma sociedade justa, legítima e generosa”, afirmou o ex-governador baiano Waldir Pires. E complementou: “Existe uma democracia formal, mas que não assegura a vida de todos os indivíduos, por isso Lamarca lutou. Nessa ocasião, se compreendeu no mundo que quando os direitos humanos não fossem cumpridos ou respeitados por qualquer tirania deveria suceder uma resistência de qualquer cidadão em nome da humanidade”.

O ministro Franklin Martins foi o último a se pronunciar, encerrando o evento. Primeiro, reverenciou aqueles que foram seus companheiros, como Santa Bárbara, Darcy Rodrigues e Marighela. Ao recordar sua experiência na militância contra a ditadura, o ministro observou que os militares queriam não só matá-los fisicamente, mas também moralmente.

“Isso não ocorreu, tanto é que hoje estão todos nas ruas resgatando essa memória, ao contrário dos seus inimigos que têm vergonha de ir à praça pública relembrar seus feitos. Essa é uma homenagem muito justa”, finalizou. Antes, fez longos elogios ao governo Lula, o comparando ao de João Goulart, presidente antes do golpe militar de 1964.

O irmão de Zequinha, Olderico Barreto, que sobreviveu ao massacre, protestou: “Matam nossos irmãos e vêm com a mídia para matar nossa alma, essa é a maior crueldade do regime”. Ele lembrou do difícil processo de desmitificação junto à população local na época. “Lia notícias dos jornais e perguntava às pessoas: Zequinha te roubou? Te fez alguma coisa? Mostrava que não se tratava de terroristas”, recorda.
Para ele, a região não é mais a mesma. “Nós não estamos cobrando justiça, queremos a verdade”, ressalta. A Assembléia Geral do Instituto Zequinha Barreto foi realizada na cooperativa dos garimpeiros da região, logo após a exibição do filme Porta de Fogo do cineasta Edgard Navarro. “Trata-se de uma entidade para desenvolver o trabalho político na região, porque aqui nessas distâncias as atividades normativas não são freqüentes e é muito importante formar bases administrativas e o resgate da história”, ressaltou Roque Aparecido, presidente do Instituto em Brotas.

Em setembro de 2008, Roque foi com Dona Generosa, outra liderança da região, a Osasco, na matriz do Instituto Zequinha Barreto. Na assembléia de fundação da entidade em Brotas, as pessoas que assinaram a ata no final, também assinada pelos ministros, tornaram-se sócios honorários do Instituto.

Roque lembrou que é preciso dizer não à mentira, à injustiça e tortura. “Precisamos de direitos, dever e justiça”, finalizou. Referiu-se ao legado da família de Antônio Carlos Magalhães, o ACM, como “entulho autoritário”.

A sede do Instituto fica na praça central de Brotas de Macaúbas, antiga sede do PT no município. É lá que funcionará um cine clube. Um grande avanço, já que apenas 8% dos municípios brasileiros possuem sala de cinema. Em Buriti Cristalino, também foi aberta uma extensão do Instituto.



Nenhum comentário:

Postar um comentário