segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Na íntegra

Dra. Marília Campos, advogada da Prefeitura Municipal de Brotas de Macaúbas, declamou a poesia de Ferreira Gullar na noite cultural em Pintada, ocorrida na noite do último sábado, 18. 

Veja o texto abaixo.

Dois e Dois são Quatro
(Ferreira Gullar)

Como dois e dois são quatro
Sei que a vida vale a pena
Embora o pão seja caro
E a liberdade pequena
Como teus olhos são claros
E a tua pele, morena
como é azul o oceano
E a lagoa, serena

Como um tempo de alegria
Por trás do terror me acena
E a noite carrega o dia
No seu colo de açucena
- sei que dois e dois são
quatro
sei que a vida vale a pena
mesmo que o pão seja caro
e a liberdade pequena.

Pela primeira vez Pintada se vê no cinema

No último sábado, 18, o anfiteatro da Praça Capitão Carlos Lamarca, foi palco da primeira exibição pública de cinema sobre o massacre contra Zequinha e ex-capitão guerrilheiro. A Pintada pode, então, ver na grande tela um relevante fato de sua história relatado em linguagem audiovisual.

A cineasta Maria Sena apresentou ao público a mostra de filmes composta pelas seguintes peças: 1. À Luz do Dia; 2. Pedra de Fogo e 3. Memória de uma História de Fogo.

Após a exibição, o público alí reunido, em sua maioria formado por jovens, pode debater e proferir pronunciamentos. A noite foi encerrada com um show do artista de Ipupiara, Gegê Almeida, na boate defronte à citada Praça, com entrada franca. 

Novos sócios poderão ser integrados no Instituto Zequinha Barreto

Memorial Santa Bárbara - Buriti Cristalino


Foi decidido pela assembleia em reunião extraordinária do Instituto Zequinha Barreto no último sábado, 18, por volta das 11h, que interessados poderão associar-se ao Instituto a partir da referida data.

Além desta questão, outros assuntos foram discutidos: a) os 40 anos do assassinato de Lamarca e Zequinha; b) o III Fórum Direito à Memória e à Verdade e a 11ª Celebração dos Mártires - a ocorrer em 2011; c) Construção de Cineteatro e reforma do prédio do Instituto; d) Reparações econômicas e sociais para os brotenses (inclusive moradores do povoado de Buriti Cristalino) e habitantes da Pintada que foram oprimidos e torturados pelos militares.

A reunião, ocorrida na sede do Instituto em Brotas de Macaúbas, foi encerrada com almoço na Casa Santo Afonso, por volta das 14h.  

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Pintada acolhe mais uma Celebração dos Mártires



Cruzeiro marca o lugar próximo do assassinato de Zequinha e Lamarca

A comunidade rural de Pintada, que pertence ao município de Ipupiara, recebeu pela 10ª vez a Celebração dos Mártires. Este ano, o evento foi diferente, pois sua programação foi paralela ao II Fórum Direito à Memória e à Verdade.

Nem o forte calor das 15h, nem o cansaço dos que participaram do momento celebrativo e da inauguração do Memorial Antonio Santa Bárbara em Buriti Cristalino, povoado de Brotas de Macaúbas, impediu que o dia 17 de setembro fosse lembrado e rememorado pelos que viveram os tristes tempos da ditadura cívico-militar e pelos que sucederam a este período histórico do Brasil e da América Latina.

A Capela de São Sebastião, padroeiro religioso da comunidade, estava cheia quando o Pe. Cláudio deu início à celebração. Cantos, leituras bíblicas, textos e pronunciamentos que lembraram martírios bíblicos e próximos da realidade de onde ocorria os eventos serviram como instrumento de retrospectiva dos torturosos momentos que viveram Lamarca, Zequinha, Otoniel e outros.

Após a celebração e ao lanche servido pela comunidade, o qual teve como pano de fundo uma exposição com fotos, camisetas, cartazes e matérias jornalísticas sobre os assassinatos  e que lembraram o decênio da Celebração dos Mártires, o grupo seguiu para o local onde morreram os homenageados. No entanto, antes de chegar ao local exato dos homicídios, houve o lançamento da pedra simbólica que fez uma alusão ao futuro Santuário dos Mártires que será construído pela Diocese da Barra e seus parceiros.

No local do assassinato, como também nos outros momentos, personalidades locais e regionais manifestaram ou desabafaram suas lutas, as quais se constituem como uma continuidade da defesa de Lamarca e Zequinha. Destaca-se a fala de Jacó (coordenador do Centro de Assessoria de Assuruá - CAA), ainda na Capela, quando questionou o porquê da morte de Lamarca e Zequinha. O próprio orador respondeu à sua indagação afirmando que os mesmos morreram em prol da melhoria de vida da população, sobretudo, a do campo.

O momento na Pintada foi encerrado com palestras aos estudantes do município de Brotas de Macaúbas no anfiteatro da Praça Carlos Lamarca.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Câmara Municipal de Ipupiara realiza sessão especial em homenagem a Lamarca e Zequinha


Inserida na programação conjunta do II Fórum Direito à Memória e à Verdade e da 10ª Celebração dos Mártires, organizados, respectivamente, pela Prefeitura Municipal de Brotas de Macaúbas, Instituto Zequinha Barreto (Brotas de Macaúbas) e Paróquia São João Batista (Ipupiara), dentre outras entidades, a sessão na Câmara de Vereadores de Ipupiara contou com um restrito grupo na platéia, além de 06 vereadores - Irineu Gomes (Presidente da Câmara), Marlene Gomes (1ª Secretária), Ivoneide Alves, Dutelmar Bastos, Alcides Rodrigues e Vilmar Monteiro.

O evento foi iniciado às 10:10, através da permissão do Presidente da Casa Legislativa. Em seguida a vereadora Marlene Gomes (PP - Partido Progressita) leu um breve relato sobre o ex-capitão guerrilheiro Carlos Lamarca que foi assassinato no município de Ipupiara, no povoado de Pintada, distrito de Ibipetum, no ano de 1971. O terceiro momento foi realizado pelo Pe. Cláudio Nogueira, representante da Paróquia previamente citada que relembrou outros homicídios realizados na região de Brotas e Ipupiara e também no município de Barra (Josael de Lima - Jota), pela ditadura cívico-militar e por latinfundiários, no último exemplo. Além disso, o religioso lembrou que o município de Ipupiara foi pioneiro (em relação a Brotas de Macaúbas) no que concerne ao estabelecimento do feriado municipal do dia 17 de setembro e da construção de uma praça na Pintada em homenagem a Lamarca.

A vereadora Ivoneide Alves (Partido dos Trabalhadores - PT), deu continuidade à sessão com um pronunciamento que fez menção à luta de Zequinha e Lamarca. Segundo a vereadora, a luta destes "mártires" não acabou naquele trágico ano de 1971. Ademais, questionou de que "lado" estes homens estariam nos dias de hoje se por ventura, estivessem vivos. Ivoneide Santana findou sua fala, com ressalvas às injustiças que ainda persistem nos dias de hoje, as quais tentaram ser combatidas por Zequinha, Lamarca e os outros companheiros.

A Ir. Regina Tomazzi, também da Paróquia, relembrou, em seguida, que na 1ª Celebração dos Mártires, no ano de 2001, os testemunhos de amigos e familiares dos mártires, dentre eles, da mãe de Antonio Santa Bárbara, emocionaram a multidão que partipou do evento.

No momento final, o padre retomou a palavra e falou sobre a importância da luta nos dias de hoje, ao citar a morte de Marilene de Jesus, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Bom Jesus da Lapa-Ba. Esta, não foi assassinada a tiros, mas morreu pela violência social que ainda persiste no Brasil.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Imagens do I Fórum e da 9ª Celebração - 2009

Veja algumas fotos da primeira edição edição do Fórum Direito à Memória e à Verdade e da nona edição da Celebração dos Mártires em Brotas de Macaúbas, Buriti Cristalino e Pintada (Ipupiara) -  sertão da Bahia.




Nossos Mártires


ZEQUINHA BARRETO
José Campos Barreto * 2/10/1946 Buriti Cristalino, Brotas de Macaúbas (BA)
  17/09/1971 - Pintada, Ipupiara (BA)

José Campos Barreto era o mais velho dos sete filhos de José Barreto e Adelaide Campos Barreto, a quem todos  conheciam como dona Nair. O pai, já mencionado     como vítima de violentas torturas 20 dias antes, era conhecido e respeitado no município de Brotas de Macaúbas. Em Buriti Cristalino era proprietário de roça e lavrador. Trazia e hospedava em sua casa uma professora para as crianças da Comunidade e construiu a Igreja do local. Era uma  família simples e muito religiosa, Zequinha segue ainda menino para estudar no Seminário de Garanhuns, em Pernambuco onde ficou por quatro anos. Lá estudou francês, inglês e Latim. Em 1963 decidiu  que não tinha vocação religiosa e não volta ao seminário. Em 1964 mudou-se para São Paulo   e no ano seguinte está servindo ao exército justamente no quartel de Quitaúna.  Estudou em Osasco , no Colégio Estadual e Escola Normal Antônio Raposo Tavares, tornando-se presidente do Círculo Estudantil Osasquense. Já tendo uma firme consciência política, Zequinha trabalha na Lonaflex e depois na Cobrasma, como operário e destacou-se como importante liderança no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco à frente de manifestações e paralisações.  Durante a greve de 1968, os militares cercaram a fábrica e Zequinha, de cima de um vagão, discursou para os soldados explicando o porque da greve.Cerca de 400 operários foram presos e Zequinha entre eles. Permaneceu 98 dias preso no DOPS, até ser libertado por força de um habeas-corpus.  Zequinha mora um tempo no Rio de Janeiro e depois retorna à Bahia.
Fixa-se em Buriti Cristalino, recebe Luiz Antônio Santa Bárbara e logo depois o Capitão Carlos Lamarca com quem iria mais tarde compartir o destino.
Segundo o relatório da Operação Pajuçara, ...“foi fácil e rápido exterminá-los: estavam descansando em baixo de uma baraúna, na localidade chamada Pintada. Quando o exército se aproximou Zequinha acordou  Lamarca.Tentou correr, mas foi metralhado por um soldado, gritando antes de morrer: Abaixo a Ditadura!”...
Essas foram as últimas palavras de Zequinha, quando foi morto junto com Lamarca, em setembro de 1971.


SANTA BÁRBARA (PROFESSOR ROBERTO)
Luiz Antônio Santa Bárbara *08/12/1946 Inhambupe (BA)
28/08/1971 - Buriti Cristalino, Brotas de Macaúbas (BA)

Luiz Antônio nasceu em uma família pobre, filho de Deraldino Santa Bárbara e de Maria Ferreira Santa Bárbara.  Estudou no Colégio Municipal Joselito Amorim em Feira de Santana onde presidiu o Grêmio Estudantil.  Trabalhou como tipógrafo na Gazeta do Povo, onde começou sua prática política no meio dos tipógrafos. Fundou um grupo de futebol com trabalhadores da Gazeta do Povo e jogavam com outros times. Fundou também um time com jovens da cidade de Feira de Santana. Em 1967 militava na dissidência baiana do PCB. Em 1968 enfrentou sua primeira prisão e teve contato direto com a tortura, durante a repressão provocada pelo AI-5 (Ato Institucional n° 5).  Atuava na clandestinidade desde 1969 e foi o primeiro militante a ser deslocado para a região de Brotas de Macaúbas em Julho de 1970. Chegou em Buriti Cristalino em 1971, como sendo Roberto o Professor. Hospedado na casa de José Barreto, pai de Zequinha, Otoniel e Olderico, trabalhava diariamente com essa família na roça. Fundou um time de futebol e era visto como craque na região. Ensinava os meninos a jogarem bola e construíram juntos o campo de  futebol.
Sua tarefa era formar uma escola de alfabetização no povoado carente onde poucos sabiam ler. Todas as tardes a casa de José Barreto se enchia de crianças e adultos para as aulas do professor Roberto. Escreveu junto com Lamarca e montou em Buriti uma encenação teatral sobre as dificuldades sentidas pela população local, como pobreza e cobrança de impostos. A apresentação foi um grande sucesso  recordada até hoje pelas pessoas que participaram como atores ou que viram a peça. Roberto fazia também um trabalho de formação política com a população local explicando temas como a propriedade da terra , a fome e a migração para São Paulo.   Sua morte ocorreu na chamada Operação Pajuçara, organizada com o objetivo de destruir Lamarca e seu grupo, conforme consta em documentos oficiais.
O laudo necroscópico revela que ele foi assassinado pelo exército no dia 28/08/1971 aos  24 anos de idade.

OTONIEL BARRETO
 Otoniel Campos Barreto * 11/04/1951 Buriti Cristalino, 
Brotas de Macaúbas, 28/08/1971

Otoniel, irmão de Zequinha, foi executado na casa de seu pai na mesma operação que matou Luiz Antônio Santa Bárbara. Com 20 anos de idade, agricultor, irmão mais novo de Zequinha Barreto que seria  morto junto com Lamarca no  mês seguinte.  Otoniel, sob o impacto dos gritos do pai de 65 anos que estava sendo torturado, tenta empreender uma desesperada fuga.  Foi alvejado com quatro tiros levantando questionamentos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos se teria sido uma execução.   

MANOEL DIAS
Manoel Dias de Santana  08/09/1982 - Boa Vista do Procópio, Muquém do São Francisco
"Onde nós derrama o suor, nós derrama o sangue!"

Manoel Dias, lavrador honrado e reconhecido como homem de muita fé e sabedoria.  Junto com mais 19 lavradores, Manoel tomou posse de 5.000 hectares de terras devolutas para plantarem e sustentarem suas famílias.  Isso foi no ano de 1965 na localidade de Boa Vista do Procópio, então parte do município de Barra.  Ali viveram tranquilamente durante onze anos, tentando inclusive encaminhar a regularização da posse da terra.  A partir de 1976, essas famílias pacatas e trabalhadoras começaram a ser  molestadas pelo grileiro Leão Diniz de Souza Leão Neto, que se dizia proprietário das terras apresentando documentos fraudados.  Nessa época, o já idoso Manoel Dias liderou a organização e a resistência dos posseiros.  Mesmo com denúncias e pedidos de providência feitos na época pela Diocese de Barra e pela CPT (Comissão Pastoral da Terra), as autoridades não agiram contra as ameaças do grileiro.  No dia 8 de setembro de 1982, o grileiro acompanhado de 30 pistoleiros e com 2 tratores, tomou de assalto Boa Vista do Procópio. 
"Eles derrubaram as casas, quebraram as roças e soltaram e mataram as criações.  Deixou todo mundo desabrigado.  Não satisfeito com isso, ele partiu em frente até matar o velho meu pai".  Essas são palavras de Osvaldo, filho de Manoel Dias.  Um pai de família morto e três outros feridos, crianças, mulheres e velhos desabrigados.  Foi esse o resultado da ação do grileiro que, com arrogância, já propagava sua impunidade, afirmando ter muito dinheiro e influência.  Manoel Dias tinha 77 anos quando foi assassinado pela ganância do latifúndio.

JOTA
Josael de Lima 21/05/1986 - Barra

Josael, mais conhecido pelo apelido de Jota, nasceu na cidade de Tapiramutá no dia 16/03/1936.  Casou-se com Josefa Elze de Jesus. Filho de família humilde, Jota foi funcionário dos correios até sua aposentadoria.  Trabalhou também na FUNDIFRAN (Fundação para o Desenvolvimento Integrado do Vale do São Francisco) e no apoio aos sindicatos de trabalhadores rurais, colônias de pescadores e associações, sempre na defesa dos trabalhadores e da reforma agrária.  Junto à Diocese de Barra, Jota esteve à frente de vários trabalhos: dos encontros de casais até a CPT (Comissão Pastoral da Terra).  Na posse de D. Itamar Vian como bispo diocesano, Jota foi o orador representante dos leigos da Diocese.  Jota foi lutador incansável pelos direitos dos mais fracos e pela democracia.  Foi um dos fundadores do Movimento Democrático Brasileiro na cidade de Barra no período da ditadura militar.  Em 1982 foi candidato a prefeito da cidade. 
Quando foi assassinado, Jota assessorava uma equipe do INCRA no levantamento de áreas em conflito de terra e organizava manifestações pela reforma agrária.  Foi morto com um tiro no peito quando voltava do trabalho, a mando dos grileiros Leão Diniz de Souza Leão Neto e Antônio Henrique de Souza Moreira. 
"Espero que a morte de meu marido não fique no esquecimento.  Ele foi um homem que lutou pela reforma agrária e por isso foi morto.  Por essa razão estou aqui para denunciar o descaso das autoridades policiais".  Essas foram as palavras de D. Josefa Elze ao Jornal A Tarde, 4 anos depois do assassinato de seu marido.  Jota tinha 50 anos quando foi morto e deixou seis filhos e dois netos.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Zequinha, o apaixonado

Por Roque Aparecido da Silva -
Sociólogo e um dos líderes da Greve de Osasco em 1968


Não são todas as pessoas que têm a fibra, a garra, a dedicação e a sensibilidade de Zequinha Barreto. A luta contra a ditadura, a revolução social, a conscientização das pessoas sobre seus direitos, eram as grandes paixões de Zequinha.

Outra coisa, é que não desgrudava do seu violão. Em qualquer lugar que chegava, formava um grupinho, tocava músicas e começava a falar dos problemas sociais, da ditadura, da necessidade de se organizar para lutar por liberdade e por justiça social.

Trabalhava comigo na Cobrasma, em Osasco, São Paulo, e estudávamos à noite no CENEART (Colégio e Escola Normal Estadual Antonio Raposo Tavares). Quando chegou na Cobrasma procurando emprego, ofereceram-lhe a oportunidade de trabalhar no escritório. Zequinha, entretanto, preferiu ser "apontador de produção", ou seja, a pessoa que ia de máquina em máquina anotando a produção de cada trabalhador. Era o que ele mais queria. Assim podia estar em contato com todos os trabalhadores da sessão, conversando, despertando consciências. Na hora do almoço, cada dia sentava em uma mesa do refeitório da fábrica para conversar com pessoas diferentes. Depois de várias conversas, quando as pessoas se despertavam para a falta de liberdade, para a exploração que sofriam no trabalho, chegava a hora de conversar sobre a necessidade de se organizar. Propunha então que se integrassem nas atividades de Comissão de Fábrica, começassem a participar da luta dos trabalhadores e se filiassem ao Sindicato. Propunha também que participassem de um "Grupo de Estudo" para entenderem melhor a realidade que viviam e que participassem de forma mais consciente das lutas dos trabalhadores.

Quando uma pessoa decidia se organizar e se dispunha a se integrar a um "Grupo de Estudos", Zequinha a colocava em contato com outros companheiros que cuidavam da organização e da formação das pessoas. E ele ia continuar seu trabalho de conscientização com os outros trabalhadores. Na linguagem da época, Zequinha era um grande agitador, um despertador de consciências. Fazia isso como ninguém.

Zequinha tinha uma impressionante capacidade de liderança justamente por ser uma pessoa simples, humilde e muito comunicativa. Quando falava tinha uma enorme capacidade de mexer com o sentimento das pessoas. A fábrica Cobrasma, onde nós trabalhávamos em 1968, tinha mais de 3.000 empregados com uma larga tradição de luta. Desde 1962 existia uma "Comissão de Fábrica" que organizava as lutas dos trabalhadores na defesa de seus direitos. A maioria dos dirigentes da Comissão de Fábrica participava, desde o final dos anos 50, das lutas dos trabalhadores que culminaram com a conquista da "Comissão de Fábrica" em 1962 e dirigiam a Comissão desde então. Em julho de 1968, quando os trabalhadores iniciaram uma greve, ocupando a fábrica, Zequinha, que trabalhava na Cobrasma a pouco mais de um ano, foi a principal liderança do movimento. Quando a tropa policial se posicionou em frente ao portão da fábrica preparando-se para invadir e expulsar os trabalhadores lá de dentro, Zequinha fez um discurso dirigido aos soldados explicando que muitos deles tinham parentes ali dentro e que eles apenas estavam lutando por melhores salários e uma vida mais digna, conclamando os soldados a não obedecer às ordens do comando e não reprimir os trabalhadores. Nesse momento o comandante deu ordens enérgicas aos soldados que invadiram a fábrica espalhando o terror lá dentro. Mais uma vez, em uma atitude heróica, Zequinha ameaça incendiar um tanque de gasolina da fábrica, paralisando os soldados e, com isso, possibilitando que muitos trabalhadores saissem da fábrica e não fossem presos. Zequinha, porém, foi preso e barbaramente torturado. Ficou 98 dias atrás das grades. Ao ser solto imediatamente se reintegrou à luta do povo brasileiro contra a ditadura, agora de armas nas mãos, juntamente com Lamarca e os demais companheiros da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

Como filho de Brotas de Macaúbas, mesmo tendo vivido vários anos fora, sempre estava presente, particularmente em Buriti Cristalino, onde viviam seus pais e irmãos. Quando a repressão se tornou mais violenta contra aqueles que lutavam nas grandes cidades, Zequinha voltou definitivamente para Buriti Cristalino e continuou a fazer o mesmo trabalho que fazia em todos os lugares por onde passava: conscientizar as pessoas, despertando-as para a luta contra as injustiças sociais, por uma vida digna e em liberdade. Foi nessa etapa que trouxe o Prof. Roberto (Luiz Antonio Santa Bárbara) para ajudar na luta.
Tinha que preparar rápido as condições para receber o capitão Carlos Lamarca, dirigente da VPR, nesse momento bastante desestruturada, pois seus principais militantes encontravam-se presos, mortos ou exilados. Lamarca não conseguia mais viver no Rio de Janeiro ou em São Paulo, pois era procurado como inimigo público número 1 pela repressão.

Lamarca integra-se, com sua companheira Iara Iavelberg, ao MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro) e chega à Buriti Cristalino ao encontro de Zequinha no dia 29 de Junho de 1971. Foi para Lamarca uma época feliz. Embora longe de Iara que estava em Salvador, o que era causa de grande sofrimento aos dois, formou um coletivo que era dirigido por Santa Bárbara, fazia trabalho de conscientização com camponeses de grande dignidade, escrevia documentos, e até peças de teatro que o Professor Roberto apresentava com e para o povo de Buriti.

Com a queda de vários militantes do MR-8, a morte de muitos na tortura, acabam descobrindo seu esconderijo. Invadem Buriti Cristalino, matam Otoniel Barreto e Luiz Antônio Santa Bárbara, ferem gravemente Olderico Barreto, prendem todos do povoado e começa a caçada. No dia 17 de Setembro de 1971 assassinam covardemente os dois heróis. São heróis do povo brasileiro. E seguem conosco para sempre, até o momento em que a justiça e a liberdade sejam uma constante em nosso País.


Pe João – 40 anos de dedicação a Brotas, Ipupiara, Barra do Mendes e região


Quando eu era criança ouvi as pessoas grandes falarem de Pe João. E a imagem que eu formei dele foi a de um homem rigoroso, que não gostava de criança, nem de foguete. Depois de alguns anos, entrei pela primeira vez na Casa Santo Afonso, para entrevistar Generosa e o Pe João, para um trabalho escolar. Nesse dia eu descobri uma metade de Brotas, da qual eu nunca tinha ouvido nenhuma pessoa grande falar. Admirado, passei a gostar e conhecer o verdadeiro Pe  João! E fiquei me perguntando: “porque nunca ninguém me falou isso antes?”. Só então percebi, já com meus estudos de sociologia, que era conveniente para a elite política local esconder o verdadeiro Pe João, pois assim estaria escondendo os movimentos e as lutas sociais do povo de Brotas...
É difícil sintetizar o trabalho coordenado por Pe João em poucas palavras, Tentarei registrar alguns aspectos de sua vida entre nós. Pe João - Johannes Christian Franciscus Appelboom - é holandês,. Ele chegou ao Brasil em 1958, em Guaxupé (MG). Veio para cá, segundo ele, sensibilizado com a situação da região e com as dificuldades que os padres enfrentavam para evangelizar na Diocese de Barra – dificuldades essas transmitidas pelo então Bispo Dom Tiago Cloin, em suas visitas à Europa. A Diocese na época abrangia  também as regiões que hoje são Dioceses de Barreiras e de Irecê e possuía apenas seis padres. Era tão difícil o trabalho aqui que Pe João foi orientado a primeiro “chegar no Brasil”, leia-se Minas Gerais (eixo Sul-Sudeste), para depois chegar à Diocese de Barra, no Nordeste. Assim, ele veio para Minas e ficou por dez anos. Em 1968, aos 39 anos, ele chega em Barra do Mendes e Brotas para dirigir as duas Paróquias – à época sete municípios (12.500 km², com aproximadamente 80 mil habitantes). Em suas palavras, “…existiam [aqui] umas poucas famílias ‘importantes’[com poder político] e todo o restante do povo estava para dizer ‘sim senhor’, inclusive para o padre!”. Ele começou a desenvolver os trabalhos nos fundamentos da Ação Católica, sobretudo, no “ver, julgar e agir”.  Ia fazer as “desobrigas”, e saber como o pessoal enxergava sua realidade e o que pretendiam fazer. Marcava a ida nas comunidades: combinava a hora da confissão, a hora da missa, batizados, casamentos... e, invariavelmente, uma reunião com a comunidade. O objetivo era desempenhar um papel evangélico ligando fé e vida, discutindo com as comunidades a sua situação e o que poderia ser feito para melhorar a vida em comum. Ele buscava não só o acompanhamento religioso e a realização dos sacramentos, mas também de estimulo à ligação disso com a vida cotidiana – reflexão e ação para transformar o ser humano e sua vida concreta. Exatamente o que pregava a Teologia da Libertação e seu movimento mais expressivo, as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s).
Naquela época a desinformação, o isolamento e ausência do Estado (em todos os níveis) deixavam as pessoas em uma condição de vida bem mais difícil. As primeiras das ações emergenciais da Paróquia foram as campanhas de conscientização para a higiene dentro de casa e a prevenção de doenças: eram campanhas de fossas, filtros, chuveirinhos (baldes com chuveiros embutidos). A Paróquia incentivou em todas as comunidades a criação de equipes com tarefas específicas, no objetivo de atribuir funções religiosas mas também funções ligadas a outras necessidades das comunidades. Assim foram criadas a seu tempo Equipes de Saúde, de Agricultura, Comissões de Matrimônio, de Batismo, etc. Também foram montadas bibliotecas nas comunidades (eram 20 bibliotecas em 1982). Foram preparadas as famosas atendentes de saúde, que desenvolveram um importante papel para a saúde, especialmente de crianças. O Centro Paroquial chegou a manter por um certo tempo um ambulatório em Barra do Mendes e outro em Brotas.
Outra iniciativa ocorrida na época contribuiu bastante para a região e ainda hoje nota-se seus resultados. Percebendo a grande quantidade de crianças não registradas no município, Pe João tomou a decisão de só batizar crianças que tivessem certidão de nascimento. Essa atitude foi muito criticada na época, como um gesto arbitrário do padre. Porém isso fez com que muita gente buscasse registrar seus filhos para não perder a possibilidade do sacramento. Hoje a população relembra esse fato e agradece ao padre por ter seu registro de nascimento.
Como necessidade de preparação de lideranças comunitárias surgiram as “escolas da paróquia”. Elas tiveram papel fundamental na formação de lideranças “leigas” para a sociedade local. Escola Maria Goretti (1971 a 1977) preparava moças para a vida em casa e em comunidade; a Escola Comunidade Rural (1975 a 1994) foi a primeira Escola Família Agrícola da Bahia e quarta do Brasil. E a Casa de Formação Santo Afonso (que funciona desde 1978) até hoje prepara lideranças leigas para suas comunidades.
Todo esse trabalho sempre contou com apoio das comunidades, de familiares do Pe João e da cooperação internacional católica e pontualmente alguns apoio nacionais. E a espinha dorsal desse processo dinâmico era a Equipe Paroquial e seus colaboradores! No período de quase quatro décadas foram muitos homens e mulheres a passarem por essa Equipe. Sempre composta pelo padre, irmãs e leigos da sociedade local, ela contou invariavelmente com missionários e colaboradores “de fora”. Brasileiros ou estrangeiros, todos se irmanaram nessa grande missão!
Pro esse testemunho de amor – e como diria ele sobre o amor “de dedicação ao próximo” ele é para mim uma das pessoas mais importantes da nossa história! Preparou terreno, plantou boas sementes e colheu (e colhe) - com o povo - muitos frutos!
(No período da perseguição a Zequinha e Lamarca, em 1971, a Paróquia ainda estava na batalha de organizar cultos e atividades nas comunidades. Mesmo assim capelas e igrejas foram revistadas, e tiveram comunidades nas quais não foram permitidas mais reuniões. Os membros da Equipe Paroquial, que já sofriam a perseguição tradicional coronelista, na ocasião ganharam mais um adjetivo: “comunistas”, dito com tom pejorativo.)
Parte da história de Pe João e do trabalho da Paróquia de Brotas estão num texto que foi publicado pela Universidade Católica de Goiania, “Formação de Lideranças para a Democracia Participativa – Experiências a partir da Teologia da Libertação”.
As fragilidades humanas eu sei que ele tem, porque todas as pessoas tem! Que bom que eu não as conheço, porque eu só preciso lembrar-me de seu testemunho de vida, fé e prática do amor. Nem eu em você que está lendo precisamos lembrar que ele não gosta de foguete. Isso não edifica ninguém, só destrói, prejudica a vida em comunidade e pode destruir as pessoas se não cuidarmos de conhecê-las e reconhecê-las melhor.

Já dizia Euclides da Cunha: "O sertanejo é antes de tudo, um forte!".

 Por Maria Sena - Cineasta

Ouso nomear essa frase de Euclides da Cunha, ao conhecer pessoalmente algumas pessoas como Crispim, Abel, Ita, Sr. Francisco, Sr. Antônio, Sr. Anísio, da comunidade de Buriti Cristalino. Outros de apalpar a história de vida deles como o Sr. José Barreto e o Sr. Zé do Virgílio, e certamente muitos outros que não conheci.

Todos com uma coisa em comum: Sertanejos acostumados à dura lida do campo e todos submetidos à mais cruel injustiça, ao mais deslavado desmando, a dor mais pungente, o maior ultraje e a pior violência.

Todos eles inocentes de qualquer coisa o que torna mais abominável o comportamento dos assassinos de aluguel como Sérgio Paranhos Fleury e seu grupo de facínoras e mais de 260 homens do exército brasileiro comandados pelo Major Nilton Cerqueira que espalharam o terror em Brotas de Macaúbas no ano de 1971.

Tinham eles muito ódio e muito medo. Carlos Lamarca desertou de suas fileiras com uma carreira brilhante pela frente. Não quis compactuar com a ditadura sanguinária que um golpe de estado colocou no poder e que perseguia operários, camponeses e estudantes. Prenderam, torturaram e assassinaram centenas de pessoas.

Foi nesse período à caçada insana à Lamarca e a Zequinha Barreto, filho mais velho do Sr. José Barreto que trouxe Lamarca para o sertão. Invadiram sua casa e assassinaram seu filho Otoniel Barreto de apenas 20 anos, Luiz Antônio Santa Bárbara, que vivia com a família Barreto e era professor de adultos e crianças, e atiraram para matar Olderico Barreto, outro filho do Sr. José, que milagrosamente sobreviveu às balas e á tortura ficando anos na prisão.

Tanto o delegado quanto o major não tinham idéia da classe de homens com que estavam lidando. Eram de uma extirpe rara: compõem a reserva moral da nação brasileira. Estavam na frente: por isso encontraram cobras, mas foram os que viram as borboletas voarem anunciando o novo dia, senão para eles, para os filhos dessa Pátria que após a luta e o martírio deles descortinaram as conquistas da liberdade de hoje.

A Democracia que desfrutamos é obra deles e seguirão presentes para sempre conosco, pois sempre vamos nos lembrar que nossos passos são a herança de seu caminhar.


Família Barreto: um breve histórico


Na década de 70, Buriti Cristalino, com 200 habitantes, era um pacato povoado rural do Município de Brotas de Macaúbas. Seu José Barreto era quase como um Deus na localidade. Quando tinha Padre, era porque Seu Zé Barreto tinha ido buscar para realizar as missas, casamentos, batizados e festas religiosas. O Padre sempre ficava hospedado em sua casa. Foi ele que construiu a Igreja. Era na casa dele que as noivas se vestiam para o casamento. Era o "Juiz de Paz". Qualquer negócio, para ter validade, bastava a assinatura dele.

Ah! E escola...como esse homem gostava de escola. Comandou a construção da escola mas sofria por falta de professor. Seus filhos, afora o que aprenderam com Dona Nair, sua abnegada e querida esposa, tinham que sair de casa para estudar. Mas, e como? Tinha a roça de onde vinha seu sustento e da sua família. E a casa de farinha, o leite e aquela agonia de estar sempre preparado, pois, às vezes chovia fora do calendário e tinha que aproveitar para replantar o milho que não vingou - bonecas dependuradas nos pés como fantasmas. E tirar o leite das cabras, fazer queijo, manteiga de garrafa, aproveitar uma que outra oportunidade para colher banana, e comer o tão apreciado picadinho de banana verde com carne de bode.
E assim ia prosseguindo o povoado com seus festejos de São João que duravam 8 dias com quermesses , leilões, procissão , bandeiras e, ao final, chegava o padre, montado à cavalo atrás do Seu Zé Barreto, para celebrar a missa, fazer batizados, casamentos, confissões e o que mais fosse necessário. À noitinha Seu Zé levava o padre para a casa dele como hóspede de honra e o padre ia experimentar todas as iguarias que o povoado lhe oferecia em agradecimento por sua boa vontade de ir lá nos confins do município de Brotas de Macaúbas fazer aquela gentileza.

A festa acabava, o padre ia embora, o trabalho duro na roça recomeçava e lá estava o homem às voltas com a ausência de professor para ensinar tanta criança e também adulto, porque não? É muito triste um homem não saber ler, pensava Seu Zé. E aquilo já ia virando quase que uma obsessão. O filho mais velho de Seu Zé,  Zequinha era muito inteligente e tinha estudo até de língua estrangeira pois, Seu Zé e Dona Nair haviam conseguido que ele fosse estudar para ser padre no Seminário de Garanhuns. Em pouco tempo Zequinha estava completamente à vontade no Seminário, cantando alto com voz bonita. Nunca mais largou a música. Foi uma constante nos seus 24 anos de vida. Era Zequinha e seu violão, com voz jovem, tocando música brasileira, folclórica, regional e de protesto. Estudou por alguns anos, aprendeu muita coisa e um dia chegou de vez. " Painho, Mainha, não quero ser padre, não. Minha alma me pede outra coisa: quero ir para São Paulo servir o exército e continuar a estudar lá".  Seu Zé tinha um irmão que morava lá no bairro de Santo Antônio, em Osasco. Zequinha ficou trabalhando na roça até arrumar as condições e rumou para São Paulo. Serviu o exército, chegou a prestar concurso para cabo, não passou, entrou para o Colégio Cenearte. Estudava de noite e de dia trabalhava como apontador de produção na Cobrasma. Entra de cabeça nos ideais dos jovens estudantes e operários de sua época. Se transforma em um revolucionário. Sua mãe adoece, doença grave - câncer. Ele vem, fica com ela um tempo no Hospital em Salvador. Ela morre, e ele volta para São Paulo. Precisava continuar a luta.

Um tempo depois, volta com o professor Roberto (Luiz Antonio Santa Bárbara) como é conhecido até hoje em Buriti Cristalino, que fica morando na casa do Seu Zé. De manhã o Professor Roberto trabalhava na roça ajudando a família que o hospedava. De tarde dava aula para as crianças,  jovens e à noite para os adultos. Fazia reuniões com eles discutindo os problemas locais, ensaiava peças de teatro que se transformava em debates de temas como a propriedade da terra, a seca, a fome, o problema da água, a cobrança de impostos pelo Incra, o preço das sementes e a migração para São Paulo. Realizava a felicidade de Seu Zé Barreto.

Nos sábados era dia de feira. Aquela agitação que começava no alvorecer do dia. Animais, carne, legumes, roupas, tudo era vendido e comprado. Então era hora do professor conversar com os trabalhadores do campo, arregimentar alunos, saber como ia a vida, se aproximar deles. Além do grupo de teatro, visitava os vizinhos e servia no que fosse possível a comunidade. Tudo isso sob o comando de Zequinha, os olhares de Seu Zé Barreto e a admiração de Lamarca por seu trabalho. Tudo caminhava muito bem quando, no dia 28 de agosto de 1971 a repressão da polícia política e do Exército chegou e destruiu tudo. Matou o professor Roberto e o filho Otoniel. Deu dois tiros em Olderico, um na mão e outro no rosto, e o levou preso. Prendeu Seu Zé Barreto, que durante as noites ficava sendo submetido à torturas. Todo o povoado ouvindo os gritos, um horror! Seu Zé dizia que tinha sido como se o mundo tivesse desabado sobre ele.

Como a vida de Seu Zé Barreto nos ensina, quando temos profunda consciência social e lutamos até o final da vida, deixamos um exemplo para as futuras gerações.

Isso é o que aprendi com a vida da família do Seu Zé Barreto e Dona Nair. É o que procuro fazer em minha vida.

Buriti Cristalino, sem medo de resistir


Eram Crianças

E começaram a ter medo.

Foram jovens
E  não  se rebelaram
Ficaram velhos.
... E o medo  a lhes perseguir...

Na década de 70 Buriti Cristalino era um pacato povoado rural com  de 200 habitantes fixos e mais 100 garimpeiros. José Barreto era tudo em Buriti, juiz de paz, sua assinatura valia para as pessoas venderem ou comprarem um pedaço de terra. Conselheiro familiar construiu a escola e cuidava de conseguir professora para que as crianças e os adultos tivessem aula.
Operou a construção da Igrejinha local, buscava o padre em cidades vizinhas para casar as noivas e  batizar os filhos . Era ele que garantia a Paz no povoado. Os moradores o adoravam por sua doçura, sua compreensão da vida, seus conselhos. Junto com sua amada  esposa Dona Nair são ainda hoje referência forte da identidade de Brotas de Macaúbas. Teve 8 filhos: Zequinha Barreto o mais velho tinha seu nome e herdou sua capacidade de liderança. Extremamente sensibilizado e comprometido com os problemas de descaso e injustiça pelos quais passava a Comunidade em que nasceu, agravados com  a ditadura, vai para São Paulo, entra em contato com os ideais de justiça e liberdade dos melhores filhos desse solo, e logo é um dos líderes da famosa greve de Osasco, que em 1970 se alastra por todas as fábricas até a invasão pela polícia e sua primeira prisão. Sai da cadeia e continua a luta, já então militante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) organização dirigida pelo Capitão Carlos Lamarca de quem vai compartilhar o destino um pouco depois.
O capitão Carlos Lamarca também compartilha esses mesmos ideais - os ideais de toda uma geração. E servir o exército era seu sonho maior. Ao ver a Instituição promovendo prisões, tortura e morte dos que lhes contestavam o direito de usar a força para depor um governo legitimamente constituído, deserta do exército e se torna o inimigo número 1 das forças de repressão. É caçado como terrorista perigoso. Muitos são mortos por vingança ou porque o aparelho repressor do exército  achava que eles sabiam onde estava o capitão.
Em Brotas de Macaúbas o medo tinha nome e sobrenome: Sérgio Paranhos Fleury.
Invade com seus asseclas a casa do  Sr. José Barreto tortura-o  barbaramente , assassina  na sua frente seu filho Otoniel Campos Barreto, de apenas 20 anos, o militante Luiz Antônio Santa Bárbara de 24 anos, militante do MR 8, professor de crianças, jovens e adultos em Buriti Cristalino e que morava também com a família; atira para matar Olderico Campos Barreto, que ferido gravemente  é conduzido preso para Salvador.
Todos esses fatos foram o batismo de sangue de Buriti Cristalino. As boas vindas do  grupo de extermínio.
 A população foi retirada de suas casas baixo socos, pontapés e  coronhadas  e conduzida ao coreto da praça e obrigados a assistirem tudo isso, calados. Se alguém se manifestava era torturado ali mesmo na frente de crianças, vizinhos, familiares. Assassinaram, bateram, humilharam, constrangeram cidadãos honestos, trabalhadores e inocentes. Torturaram crianças e mataram animais para que o terror fosse maior e mais profundo.
O major Nílton Cerqueira que tinha obsessão por prender Lamarca desde a invasão do Vale a Ribeira em São Paulo chega à região com mais de 360 efetivos, e inicia a caçada, que culmina com a morte dos dois revolucionários no dia 17 de Setembro de 1971.

Retrospectiva sobre a 1ª Celebrações dos Mártires em 2001


“Que acontece se as testemunhas já não podem transmitir sua mensagem
e suas palavras ecoam no vazio?”
Elie Wiesel
Prêmio Nobel da Paz 1986

A primeira celebração dos Mártires* da Diocese de Barra aconteceu em setembro de 2001. Uma das motivações iniciais foi marcar a passagem de 30 anos do assassinato do capitão Carlos Lamarca e seu companheiro de luta Zequinha Barreto. A partir desta motivação e ampliando o sentido da celebração, foram resgatadas e celebradas as histórias de vida de seis grandes brasileiros que tombaram no chão da diocese. Esta primeira celebração foi organizada pela Diocese de Barra e pelo CAA (Centro de Assessoria do Assuruá), com o apoio de outras organizações como a CESE, a CPT, a CASEF e o MST. A partir de então, tendo à frente de sua organização as paróquias de Ipupiara, Brotas de Macaúbas e Oliveira dos Brejinhos, a Celebração dos Mártires aconteceu todos os anos.
Esta corajosa iniciativa da Diocese de Barra marcou a história da região. Com esta publicação, o Centro de Assessoria do Assuruá quer disponibilizar a história da celebração e os conhecimentos gerados por esta iniciativa. Resgatar a história dos movimentos populares, muitas vezes soterrada pelas mentiras da historiografia oficial, sempre nos desafia a refletir sobre o tempo presente e suas possibilidades futuras. Resgatar e atualizar as lutas populares da região é imprescindível para avançarmos com maior firmeza. O CAA encara o desafio de contribuir nesta tarefa com a certeza de estar ajudando, com esta iniciativa, a construir um sertão cidadão.
A vida de alguém que se entregou a uma causa justa até as últimas conseqüências, é uma semente. O seu exemplo de vida nos ajuda a criar forças para lutar e transformar a vida. Celebrar a vida destas pessoas é atualizar e fortalecer a causa pela qual viveram e morreram. Os mártires têm que ser lembrados sempre, para que a semente plantada pelo exemplo de suas vidas seja cultivada e frutifique.

No ano de 2001 se completaram 30 anos da morte de Carlos Lamarca. Corria o mês de setembro de 1971 quando o Capitão Lamarca tombou morto pelas tropas policiais. O país estava dominado por uma sangrenta ditadura militar, que prendia, seqüestrava, torturava e matava seus opositores. Com o golpe militar de 1964, o Presidente João Goulart foii deposto. A partir de então, organizações como sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis foram fechados e jogados na clandestinidade. Parlamentares foram cassados e expulsos do país, bem como professores, religiosos, lideranças populares, cientistas e artistas. Qualquer manifestação de resistência era duramente reprimida e se fecharam todos os canais de diálogo.
Nesse contexto, muitos brasileiros e brasileiras, comprometidos com a construção de um país justo e democrático, optaram pelo enfrentamento armado aos militares - mesmo que isso lhes custasse a própria vida. O Capitão Carlos Lamarca, militar exemplar que se aliou aos grupos clandestinos que combatiam a ditadura, é um desses grandes heróis nacionais que a historiografia oficial ainda não reconhece. No dia 17 de setembro de 2001 completaram-se 30 anos do assassinato de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto, fato acontecido no pequeno povoado de Pintada, município de Ipupiara, no centro-oeste baiano. Esta data é importante não só para quem lutou na resistência à ditadura militar. É uma data emblemática para aqueles que lutam pela justiça, para aqueles que sonham um Brasil para todos.
Numa visão cristã mais ampla, podemos considerar a morte de Lamarca e Zequinha como martírio pela causa da Justiça. Assim como eles – com sua história já relativamente conhecida no Brasil – outras pessoas também morreram na luta pela justiça na região. Otoniel Barreto e o professor Roberto (Luiz Antônio Santa Bárbara) no povoado de Buriti Cristalino no Município de Brotas de Macaúbas, no mesmo episódio da perseguição de Lamarca; Jota e Manoel Dias na luta pela terra, respectivamente no município de Barra e Muquém do São Francisco, ambos na década de 80.
“Nossas mortes não são nossas. São de vocês. Elas terão o sentido que vocês lhes derem”. Com essa frase termina o filme “Lamentamos Informar”, de Bárbara Souneborn. E é nessa intenção, de dar um sentido generoso e fecundo a estas mortes – ou a estas vidas! – que estamos organizando atividades celebrativas aos 30 anos de martírio de Lamarca, Zequinha, Otoniel e Santa Bárbara. Junto com eles, celebraremos também a memória de Jota e de Manoel Dias. É tarefa nossa não deixar que o testemunho dessas vidas caia no esquecimento.
Com o objetivo de celebrar a vida de nossos mártires, estaremos organizando uma celebração ecumênica e um seminário. A celebração acontecerá no dia 29 de setembro (sábado) pela manhã na comunidade de Pintada, município de Ipupiara, no exato local onde Lamarca e Zequinha foram executados. O Seminário acontecerá na tarde do mesmo dia na cidade de Brotas de Macaúbas, município natal de Zequinha e Otoniel Barreto. No dia 30 (domingo) pela manhã, iremos até a comunidade de Buriti Cristalino, onde Lamarca ficou durante sua estadia no sertão baiano.
Estaremos preparando esta celebração em toda a área da Diocese de Barra, com um tríduo dos mártires e com reuniões preparatórias nos cinco municípios mais diretamente envolvidos. A expectativa de participantes na celebração é de cerca de 400 pessoas e o propósito é tornar esta celebração parte do calendário anual da Diocese de Barra e das entidades do Movimento popular.
O “tema” do Seminário será a contribuição desta geração - que ousou lutar pela construção de suas utopias, mesmo arriscando a própria vida – ao Brasil. O que esta geração tem a dizer ao Brasil de hoje, aos jovens, aos movimentos populares, às igrejas?
a Diocese da Barra está situada no centro-oeste do Estado da Bahia, uma das regiões mais pobres do Brasil. No "Mapa da Fome", todos os 11 municípios que compõem a Diocese são apontados como áreas críticas de indigência. O "Mapa da Fome" aponta para a existência na Diocese de Barra de 18.615 famílias em estado de indigência, num total aproximado de 100.000 pessoas. Mas tanto quanto a fome de terra, trabalho e pão, a fome de cidadania, de conhecer a própria história, castiga o nosso povo. Contamos com sua ajuda solidária na construção desta cidadania.

"O revolucionário ama a Paz, faz a guerra como instrumento para ter a Paz, a Paz justa, sem exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser capaz de todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele. Quando vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas crianças que passam fome, que andam descalças, sem escolas, que sofrem e vêem seus pais sofrerem.
Quando sentirem saudades, então estudem mais, perguntem tudo o que não entenderem, perguntem sempre o porquê das coisas - perguntar e pensar - ver se é certo, se não for, falem, discutam - ver se é justo, se não for, lutem para mudar. Sejam disciplinados, façam somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem obedece tudo sem pensar não presta.
Não chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam os mais velhos e procurem fazer as coisas melhor que eles, porque tudo que é novo é superior ao velho. Respeitem os mais velhos mas exijam que respeitem vocês - exijam mesmo.

"Ousar lutar - Ousar vencer."
Carlos Lamarca,
trechos de carta aos seus filhos em 26 de julho de 1969.


*MÁRTIR. [Do grego mártyr, 'testemunha', pelo latim martyre.] 1. Pessoa que sofreu tormentos, torturas ou a morte por sustentar a fé cristã. 2. Pessoa que sofre tormentos ou a morte por causa de suas crenças ou opiniões. 3. Quem se sacrifica, sofre ou perde a vida por um trabalho, experiência, etc. 4. Pessoa que sofre, que padece muito.
'Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa'.

Evento em São Paulo relembra Lamarca e Salvador Allende

SÁBADO RESISTENTE
Memorial da Resistência de São Paulo
Largo General Osório, 66 – Luz – Auditório Vitae – 5º andar
11 de setembro de 2010, das 14h às 17h30




SALVADOR ALLENDE E CARLOS LAMARCA
Dois caminhos,  dois enfentamentos

 
Setembro é mês fundamental na história da América Latina. Dois episódios são reveladores das lutas pela democracia e  da resistência  a regimes de terror implementados no continente. No Chile, a agressão imperialista ao regime socialista implementado pelo governo de Salvador Allende  e o sanguinário golpe militar, comandado pela CIA americana e operado pelo genocida Augusto Pinochet, massacraram o povo chileno por longo período.
No Brasil, para eliminar o capitão Carlos Lamarca, líder da guerrilha brasileira, a ditadura civil-militar montou amplo cerco no sertão da Bahia, torturou muitas pessoas do povo e executou militantes. Lamarca, Zequinha Barreto, seus irmãos, seu pai e outros companheiros foram massacrados sob as vistas de toda a população e seus corpos expostos como exemplo para quem ousasse lutar.
Esses dois comandantes  das lutas dos povos latinoamericanos são homenageados pelo Sábado Resistente no próximo dia  11 de setembro como exemplos de dedicação à libertação de nosso continente  através de filmes inéditos e debates com seus realizadores. 


PROGRAMAÇÃO

14h00 - Boas-Vindas – Katia Felipini (Museóloga – coordenadora do Memorial da Resistência de
São Paulo) Coordenação – Ivan Seixas (Jornalista – presidente do Núcleo de Preservação da Memória Política do Fórum Permanente de ex-Presos e Perseguidos Políticos de São Paulo)
14h15 – Homenagem ao Presidente Salvador Allende e ao povo chileno
15h30 – Projeção do filme À luz do dia 
16h00 – O Fórum Direito à Memória e à Verdade e a Décima Celebração aos Mártires
              Roque Aparecido da Silva (Coordenador das homenagens na Bahia)
              Maria Sena (Cineasta – autora dos filmes À luz do dia e Massacre de Buritis) 
17h00 – Debate

Os Sábados Resistentes,  promovidos pelo Núcleo de Preservação da Memória Política e pelo Memorial da Resistência de São Paulo, são um espaço de discussão entre militantes das causas libertárias, de ontem e de hoje, pesquisadores, estudantes e todos os interessados no debate sobre as lutas contra a repressão, em especial à resistência ao regime civil-militar implantado com o golpe de Estado de  1964. Os  Sábados Resistentes  têm como objetivo maior o aprofundamento dos conceitos de Liberdade, Igualdade e Democracia, fundamentais ao Ser Humano.