quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Família Barreto: um breve histórico


Na década de 70, Buriti Cristalino, com 200 habitantes, era um pacato povoado rural do Município de Brotas de Macaúbas. Seu José Barreto era quase como um Deus na localidade. Quando tinha Padre, era porque Seu Zé Barreto tinha ido buscar para realizar as missas, casamentos, batizados e festas religiosas. O Padre sempre ficava hospedado em sua casa. Foi ele que construiu a Igreja. Era na casa dele que as noivas se vestiam para o casamento. Era o "Juiz de Paz". Qualquer negócio, para ter validade, bastava a assinatura dele.

Ah! E escola...como esse homem gostava de escola. Comandou a construção da escola mas sofria por falta de professor. Seus filhos, afora o que aprenderam com Dona Nair, sua abnegada e querida esposa, tinham que sair de casa para estudar. Mas, e como? Tinha a roça de onde vinha seu sustento e da sua família. E a casa de farinha, o leite e aquela agonia de estar sempre preparado, pois, às vezes chovia fora do calendário e tinha que aproveitar para replantar o milho que não vingou - bonecas dependuradas nos pés como fantasmas. E tirar o leite das cabras, fazer queijo, manteiga de garrafa, aproveitar uma que outra oportunidade para colher banana, e comer o tão apreciado picadinho de banana verde com carne de bode.
E assim ia prosseguindo o povoado com seus festejos de São João que duravam 8 dias com quermesses , leilões, procissão , bandeiras e, ao final, chegava o padre, montado à cavalo atrás do Seu Zé Barreto, para celebrar a missa, fazer batizados, casamentos, confissões e o que mais fosse necessário. À noitinha Seu Zé levava o padre para a casa dele como hóspede de honra e o padre ia experimentar todas as iguarias que o povoado lhe oferecia em agradecimento por sua boa vontade de ir lá nos confins do município de Brotas de Macaúbas fazer aquela gentileza.

A festa acabava, o padre ia embora, o trabalho duro na roça recomeçava e lá estava o homem às voltas com a ausência de professor para ensinar tanta criança e também adulto, porque não? É muito triste um homem não saber ler, pensava Seu Zé. E aquilo já ia virando quase que uma obsessão. O filho mais velho de Seu Zé,  Zequinha era muito inteligente e tinha estudo até de língua estrangeira pois, Seu Zé e Dona Nair haviam conseguido que ele fosse estudar para ser padre no Seminário de Garanhuns. Em pouco tempo Zequinha estava completamente à vontade no Seminário, cantando alto com voz bonita. Nunca mais largou a música. Foi uma constante nos seus 24 anos de vida. Era Zequinha e seu violão, com voz jovem, tocando música brasileira, folclórica, regional e de protesto. Estudou por alguns anos, aprendeu muita coisa e um dia chegou de vez. " Painho, Mainha, não quero ser padre, não. Minha alma me pede outra coisa: quero ir para São Paulo servir o exército e continuar a estudar lá".  Seu Zé tinha um irmão que morava lá no bairro de Santo Antônio, em Osasco. Zequinha ficou trabalhando na roça até arrumar as condições e rumou para São Paulo. Serviu o exército, chegou a prestar concurso para cabo, não passou, entrou para o Colégio Cenearte. Estudava de noite e de dia trabalhava como apontador de produção na Cobrasma. Entra de cabeça nos ideais dos jovens estudantes e operários de sua época. Se transforma em um revolucionário. Sua mãe adoece, doença grave - câncer. Ele vem, fica com ela um tempo no Hospital em Salvador. Ela morre, e ele volta para São Paulo. Precisava continuar a luta.

Um tempo depois, volta com o professor Roberto (Luiz Antonio Santa Bárbara) como é conhecido até hoje em Buriti Cristalino, que fica morando na casa do Seu Zé. De manhã o Professor Roberto trabalhava na roça ajudando a família que o hospedava. De tarde dava aula para as crianças,  jovens e à noite para os adultos. Fazia reuniões com eles discutindo os problemas locais, ensaiava peças de teatro que se transformava em debates de temas como a propriedade da terra, a seca, a fome, o problema da água, a cobrança de impostos pelo Incra, o preço das sementes e a migração para São Paulo. Realizava a felicidade de Seu Zé Barreto.

Nos sábados era dia de feira. Aquela agitação que começava no alvorecer do dia. Animais, carne, legumes, roupas, tudo era vendido e comprado. Então era hora do professor conversar com os trabalhadores do campo, arregimentar alunos, saber como ia a vida, se aproximar deles. Além do grupo de teatro, visitava os vizinhos e servia no que fosse possível a comunidade. Tudo isso sob o comando de Zequinha, os olhares de Seu Zé Barreto e a admiração de Lamarca por seu trabalho. Tudo caminhava muito bem quando, no dia 28 de agosto de 1971 a repressão da polícia política e do Exército chegou e destruiu tudo. Matou o professor Roberto e o filho Otoniel. Deu dois tiros em Olderico, um na mão e outro no rosto, e o levou preso. Prendeu Seu Zé Barreto, que durante as noites ficava sendo submetido à torturas. Todo o povoado ouvindo os gritos, um horror! Seu Zé dizia que tinha sido como se o mundo tivesse desabado sobre ele.

Como a vida de Seu Zé Barreto nos ensina, quando temos profunda consciência social e lutamos até o final da vida, deixamos um exemplo para as futuras gerações.

Isso é o que aprendi com a vida da família do Seu Zé Barreto e Dona Nair. É o que procuro fazer em minha vida.

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