quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Retrospectiva sobre a 1ª Celebrações dos Mártires em 2001


“Que acontece se as testemunhas já não podem transmitir sua mensagem
e suas palavras ecoam no vazio?”
Elie Wiesel
Prêmio Nobel da Paz 1986

A primeira celebração dos Mártires* da Diocese de Barra aconteceu em setembro de 2001. Uma das motivações iniciais foi marcar a passagem de 30 anos do assassinato do capitão Carlos Lamarca e seu companheiro de luta Zequinha Barreto. A partir desta motivação e ampliando o sentido da celebração, foram resgatadas e celebradas as histórias de vida de seis grandes brasileiros que tombaram no chão da diocese. Esta primeira celebração foi organizada pela Diocese de Barra e pelo CAA (Centro de Assessoria do Assuruá), com o apoio de outras organizações como a CESE, a CPT, a CASEF e o MST. A partir de então, tendo à frente de sua organização as paróquias de Ipupiara, Brotas de Macaúbas e Oliveira dos Brejinhos, a Celebração dos Mártires aconteceu todos os anos.
Esta corajosa iniciativa da Diocese de Barra marcou a história da região. Com esta publicação, o Centro de Assessoria do Assuruá quer disponibilizar a história da celebração e os conhecimentos gerados por esta iniciativa. Resgatar a história dos movimentos populares, muitas vezes soterrada pelas mentiras da historiografia oficial, sempre nos desafia a refletir sobre o tempo presente e suas possibilidades futuras. Resgatar e atualizar as lutas populares da região é imprescindível para avançarmos com maior firmeza. O CAA encara o desafio de contribuir nesta tarefa com a certeza de estar ajudando, com esta iniciativa, a construir um sertão cidadão.
A vida de alguém que se entregou a uma causa justa até as últimas conseqüências, é uma semente. O seu exemplo de vida nos ajuda a criar forças para lutar e transformar a vida. Celebrar a vida destas pessoas é atualizar e fortalecer a causa pela qual viveram e morreram. Os mártires têm que ser lembrados sempre, para que a semente plantada pelo exemplo de suas vidas seja cultivada e frutifique.

No ano de 2001 se completaram 30 anos da morte de Carlos Lamarca. Corria o mês de setembro de 1971 quando o Capitão Lamarca tombou morto pelas tropas policiais. O país estava dominado por uma sangrenta ditadura militar, que prendia, seqüestrava, torturava e matava seus opositores. Com o golpe militar de 1964, o Presidente João Goulart foii deposto. A partir de então, organizações como sindicatos, partidos políticos e entidades estudantis foram fechados e jogados na clandestinidade. Parlamentares foram cassados e expulsos do país, bem como professores, religiosos, lideranças populares, cientistas e artistas. Qualquer manifestação de resistência era duramente reprimida e se fecharam todos os canais de diálogo.
Nesse contexto, muitos brasileiros e brasileiras, comprometidos com a construção de um país justo e democrático, optaram pelo enfrentamento armado aos militares - mesmo que isso lhes custasse a própria vida. O Capitão Carlos Lamarca, militar exemplar que se aliou aos grupos clandestinos que combatiam a ditadura, é um desses grandes heróis nacionais que a historiografia oficial ainda não reconhece. No dia 17 de setembro de 2001 completaram-se 30 anos do assassinato de Carlos Lamarca e Zequinha Barreto, fato acontecido no pequeno povoado de Pintada, município de Ipupiara, no centro-oeste baiano. Esta data é importante não só para quem lutou na resistência à ditadura militar. É uma data emblemática para aqueles que lutam pela justiça, para aqueles que sonham um Brasil para todos.
Numa visão cristã mais ampla, podemos considerar a morte de Lamarca e Zequinha como martírio pela causa da Justiça. Assim como eles – com sua história já relativamente conhecida no Brasil – outras pessoas também morreram na luta pela justiça na região. Otoniel Barreto e o professor Roberto (Luiz Antônio Santa Bárbara) no povoado de Buriti Cristalino no Município de Brotas de Macaúbas, no mesmo episódio da perseguição de Lamarca; Jota e Manoel Dias na luta pela terra, respectivamente no município de Barra e Muquém do São Francisco, ambos na década de 80.
“Nossas mortes não são nossas. São de vocês. Elas terão o sentido que vocês lhes derem”. Com essa frase termina o filme “Lamentamos Informar”, de Bárbara Souneborn. E é nessa intenção, de dar um sentido generoso e fecundo a estas mortes – ou a estas vidas! – que estamos organizando atividades celebrativas aos 30 anos de martírio de Lamarca, Zequinha, Otoniel e Santa Bárbara. Junto com eles, celebraremos também a memória de Jota e de Manoel Dias. É tarefa nossa não deixar que o testemunho dessas vidas caia no esquecimento.
Com o objetivo de celebrar a vida de nossos mártires, estaremos organizando uma celebração ecumênica e um seminário. A celebração acontecerá no dia 29 de setembro (sábado) pela manhã na comunidade de Pintada, município de Ipupiara, no exato local onde Lamarca e Zequinha foram executados. O Seminário acontecerá na tarde do mesmo dia na cidade de Brotas de Macaúbas, município natal de Zequinha e Otoniel Barreto. No dia 30 (domingo) pela manhã, iremos até a comunidade de Buriti Cristalino, onde Lamarca ficou durante sua estadia no sertão baiano.
Estaremos preparando esta celebração em toda a área da Diocese de Barra, com um tríduo dos mártires e com reuniões preparatórias nos cinco municípios mais diretamente envolvidos. A expectativa de participantes na celebração é de cerca de 400 pessoas e o propósito é tornar esta celebração parte do calendário anual da Diocese de Barra e das entidades do Movimento popular.
O “tema” do Seminário será a contribuição desta geração - que ousou lutar pela construção de suas utopias, mesmo arriscando a própria vida – ao Brasil. O que esta geração tem a dizer ao Brasil de hoje, aos jovens, aos movimentos populares, às igrejas?
a Diocese da Barra está situada no centro-oeste do Estado da Bahia, uma das regiões mais pobres do Brasil. No "Mapa da Fome", todos os 11 municípios que compõem a Diocese são apontados como áreas críticas de indigência. O "Mapa da Fome" aponta para a existência na Diocese de Barra de 18.615 famílias em estado de indigência, num total aproximado de 100.000 pessoas. Mas tanto quanto a fome de terra, trabalho e pão, a fome de cidadania, de conhecer a própria história, castiga o nosso povo. Contamos com sua ajuda solidária na construção desta cidadania.

"O revolucionário ama a Paz, faz a guerra como instrumento para ter a Paz, a Paz justa, sem exploração do homem pelo homem. O revolucionário tem que ser capaz de todos os sacrifícios pela causa, de até se separar dos seus filhos para libertar todos os filhos, de se separar dos pais porque outros pais precisam dele. Quando vocês sentirem saudades de mim, lembrem-se que aqui no Brasil existem muitas crianças que passam fome, que andam descalças, sem escolas, que sofrem e vêem seus pais sofrerem.
Quando sentirem saudades, então estudem mais, perguntem tudo o que não entenderem, perguntem sempre o porquê das coisas - perguntar e pensar - ver se é certo, se não for, falem, discutam - ver se é justo, se não for, lutem para mudar. Sejam disciplinados, façam somente o que for certo, justo. Ser disciplinado não é ser obediente, quem obedece tudo sem pensar não presta.
Não chamem ninguém de senhor porque ninguém é senhor de ninguém. Mas ouçam os mais velhos e procurem fazer as coisas melhor que eles, porque tudo que é novo é superior ao velho. Respeitem os mais velhos mas exijam que respeitem vocês - exijam mesmo.

"Ousar lutar - Ousar vencer."
Carlos Lamarca,
trechos de carta aos seus filhos em 26 de julho de 1969.


*MÁRTIR. [Do grego mártyr, 'testemunha', pelo latim martyre.] 1. Pessoa que sofreu tormentos, torturas ou a morte por sustentar a fé cristã. 2. Pessoa que sofre tormentos ou a morte por causa de suas crenças ou opiniões. 3. Quem se sacrifica, sofre ou perde a vida por um trabalho, experiência, etc. 4. Pessoa que sofre, que padece muito.
'Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa'.

Um comentário:

  1. HOMENAGEM AOS 6 MÁRTIRES DA DIOCESE DE BARRA BA:
    Saudade… é…

    … levar dentro do coração
    a presença de um ausente querido…
    é sentir a emoção
    de um amor perdido…
    é ter a sensação
    daquele abraço sentido…
    saudade, é simplesmente,
    sentir como permanente,
    aquele alguém ausente,
    cuja presença se pressente,
    é aquele passado,
    sempre lembrado,
    que queremos de presente
    no momento presente…
    Esperamos que se apresente,
    voltando em caráter permanente…
    É um doce sentimento,
    lembrado sem lamento,
    de um momento de felicidade,
    a ser lembrado apenas… com saudade
    Que Deus os tenha.
    Diretamente do Memorial dos Mártires Pintada BA
    Mons.Bertolomeu Gorges
    17/09/2011

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