quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pe João – 40 anos de dedicação a Brotas, Ipupiara, Barra do Mendes e região


Quando eu era criança ouvi as pessoas grandes falarem de Pe João. E a imagem que eu formei dele foi a de um homem rigoroso, que não gostava de criança, nem de foguete. Depois de alguns anos, entrei pela primeira vez na Casa Santo Afonso, para entrevistar Generosa e o Pe João, para um trabalho escolar. Nesse dia eu descobri uma metade de Brotas, da qual eu nunca tinha ouvido nenhuma pessoa grande falar. Admirado, passei a gostar e conhecer o verdadeiro Pe  João! E fiquei me perguntando: “porque nunca ninguém me falou isso antes?”. Só então percebi, já com meus estudos de sociologia, que era conveniente para a elite política local esconder o verdadeiro Pe João, pois assim estaria escondendo os movimentos e as lutas sociais do povo de Brotas...
É difícil sintetizar o trabalho coordenado por Pe João em poucas palavras, Tentarei registrar alguns aspectos de sua vida entre nós. Pe João - Johannes Christian Franciscus Appelboom - é holandês,. Ele chegou ao Brasil em 1958, em Guaxupé (MG). Veio para cá, segundo ele, sensibilizado com a situação da região e com as dificuldades que os padres enfrentavam para evangelizar na Diocese de Barra – dificuldades essas transmitidas pelo então Bispo Dom Tiago Cloin, em suas visitas à Europa. A Diocese na época abrangia  também as regiões que hoje são Dioceses de Barreiras e de Irecê e possuía apenas seis padres. Era tão difícil o trabalho aqui que Pe João foi orientado a primeiro “chegar no Brasil”, leia-se Minas Gerais (eixo Sul-Sudeste), para depois chegar à Diocese de Barra, no Nordeste. Assim, ele veio para Minas e ficou por dez anos. Em 1968, aos 39 anos, ele chega em Barra do Mendes e Brotas para dirigir as duas Paróquias – à época sete municípios (12.500 km², com aproximadamente 80 mil habitantes). Em suas palavras, “…existiam [aqui] umas poucas famílias ‘importantes’[com poder político] e todo o restante do povo estava para dizer ‘sim senhor’, inclusive para o padre!”. Ele começou a desenvolver os trabalhos nos fundamentos da Ação Católica, sobretudo, no “ver, julgar e agir”.  Ia fazer as “desobrigas”, e saber como o pessoal enxergava sua realidade e o que pretendiam fazer. Marcava a ida nas comunidades: combinava a hora da confissão, a hora da missa, batizados, casamentos... e, invariavelmente, uma reunião com a comunidade. O objetivo era desempenhar um papel evangélico ligando fé e vida, discutindo com as comunidades a sua situação e o que poderia ser feito para melhorar a vida em comum. Ele buscava não só o acompanhamento religioso e a realização dos sacramentos, mas também de estimulo à ligação disso com a vida cotidiana – reflexão e ação para transformar o ser humano e sua vida concreta. Exatamente o que pregava a Teologia da Libertação e seu movimento mais expressivo, as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s).
Naquela época a desinformação, o isolamento e ausência do Estado (em todos os níveis) deixavam as pessoas em uma condição de vida bem mais difícil. As primeiras das ações emergenciais da Paróquia foram as campanhas de conscientização para a higiene dentro de casa e a prevenção de doenças: eram campanhas de fossas, filtros, chuveirinhos (baldes com chuveiros embutidos). A Paróquia incentivou em todas as comunidades a criação de equipes com tarefas específicas, no objetivo de atribuir funções religiosas mas também funções ligadas a outras necessidades das comunidades. Assim foram criadas a seu tempo Equipes de Saúde, de Agricultura, Comissões de Matrimônio, de Batismo, etc. Também foram montadas bibliotecas nas comunidades (eram 20 bibliotecas em 1982). Foram preparadas as famosas atendentes de saúde, que desenvolveram um importante papel para a saúde, especialmente de crianças. O Centro Paroquial chegou a manter por um certo tempo um ambulatório em Barra do Mendes e outro em Brotas.
Outra iniciativa ocorrida na época contribuiu bastante para a região e ainda hoje nota-se seus resultados. Percebendo a grande quantidade de crianças não registradas no município, Pe João tomou a decisão de só batizar crianças que tivessem certidão de nascimento. Essa atitude foi muito criticada na época, como um gesto arbitrário do padre. Porém isso fez com que muita gente buscasse registrar seus filhos para não perder a possibilidade do sacramento. Hoje a população relembra esse fato e agradece ao padre por ter seu registro de nascimento.
Como necessidade de preparação de lideranças comunitárias surgiram as “escolas da paróquia”. Elas tiveram papel fundamental na formação de lideranças “leigas” para a sociedade local. Escola Maria Goretti (1971 a 1977) preparava moças para a vida em casa e em comunidade; a Escola Comunidade Rural (1975 a 1994) foi a primeira Escola Família Agrícola da Bahia e quarta do Brasil. E a Casa de Formação Santo Afonso (que funciona desde 1978) até hoje prepara lideranças leigas para suas comunidades.
Todo esse trabalho sempre contou com apoio das comunidades, de familiares do Pe João e da cooperação internacional católica e pontualmente alguns apoio nacionais. E a espinha dorsal desse processo dinâmico era a Equipe Paroquial e seus colaboradores! No período de quase quatro décadas foram muitos homens e mulheres a passarem por essa Equipe. Sempre composta pelo padre, irmãs e leigos da sociedade local, ela contou invariavelmente com missionários e colaboradores “de fora”. Brasileiros ou estrangeiros, todos se irmanaram nessa grande missão!
Pro esse testemunho de amor – e como diria ele sobre o amor “de dedicação ao próximo” ele é para mim uma das pessoas mais importantes da nossa história! Preparou terreno, plantou boas sementes e colheu (e colhe) - com o povo - muitos frutos!
(No período da perseguição a Zequinha e Lamarca, em 1971, a Paróquia ainda estava na batalha de organizar cultos e atividades nas comunidades. Mesmo assim capelas e igrejas foram revistadas, e tiveram comunidades nas quais não foram permitidas mais reuniões. Os membros da Equipe Paroquial, que já sofriam a perseguição tradicional coronelista, na ocasião ganharam mais um adjetivo: “comunistas”, dito com tom pejorativo.)
Parte da história de Pe João e do trabalho da Paróquia de Brotas estão num texto que foi publicado pela Universidade Católica de Goiania, “Formação de Lideranças para a Democracia Participativa – Experiências a partir da Teologia da Libertação”.
As fragilidades humanas eu sei que ele tem, porque todas as pessoas tem! Que bom que eu não as conheço, porque eu só preciso lembrar-me de seu testemunho de vida, fé e prática do amor. Nem eu em você que está lendo precisamos lembrar que ele não gosta de foguete. Isso não edifica ninguém, só destrói, prejudica a vida em comunidade e pode destruir as pessoas se não cuidarmos de conhecê-las e reconhecê-las melhor.

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